Crítica - True Grit (2010)

Realizado por Joel Coen e Ethan Coen
Com Jeff Bridges, Hailee Steinfeld, Matt Damon, Josh Brolin, Barry Pepper

O western é um género cinematográfico muito peculiar. Retrato de um microcosmo tipicamente norte-americano e há muito tempo extinto, o western desperta mais paixões no seio do povo que pretende representar, tendo algumas dificuldades em angariar adeptos no resto do mundo. Talvez seja por isso que já não se fazem tantos filmes deste tipo. A partir do momento em que as produtoras passaram a interpretar o cinema como uma indústria de lucros e estatísticas, começaram a reparar que as coboiadas não geravam um lucro muito grande fora dos Estados Unidos da América. E como consequência disso, os westerns passaram a ser encarados como obras de risco considerável, ficando condenados a um inglório esquecimento cada vez mais perceptível. O declínio deste género cinematográfico (que chegou a ser um dos mais amados da Sétima Arte) tem sido de tal forma acentuado, que até o espectador mais atento tem de pensar duas vezes antes de apontar o último western (antes deste “True Grit”) que tenha sido um sucesso de bilheteira a nível mundial.
Pois bem, quem melhor para quebrar esta espécie de maldição do que os irreverentes e geniais irmãos Coen? Graças a eles e à sua aposta no remake do homónimo filme de 1969 (no qual John Wayne venceu o único Óscar da sua carreira), o género do western regressa às luzes da ribalta com toda a pujança e demonstra que, cuidadosamente arquitectado e entregue aos artistas certos, continua aqui para durar, bem vivinho da silva. Apesar de não ser o melhor filme do ano transacto, a verdade é que este novo “True Grit” acaba por também não andar muito longe disso, afirmando-se facilmente como uma das obras mais arrojadas e bem conseguidas da decorrida temporada cinematográfica.


Após assistir ao cruel assassinato do seu pai, Mattie Ross (forte e surpreendente Hailee Steinfeld) desloca-se sozinha a uma cidade forasteira para procurar um U.S. Marshal que tenha a coragem necessária para perseguir o foragido Tom Chaney (Josh Brolin) – o assassino que lhe destroçou o núcleo familiar. A princípio, Mattie tem dificuldade em encontrar alguém que se disponha a levar a cabo tal tarefa de contornos mercenários. Porém, de forma algo inesperada, ela dá de caras com Rooster Cogburn (assombroso – e cómico – Jeff Bridges) – um Marshal decadente e em idade de reforma, que passa os dias na taberna mais próxima, mas que continua a possuir uma inigualável destreza com o revólver. De imediato, Mattie vê em Cogburn aquilo que ela precisa para castigar o assassino do seu pai: bravura, determinação, experiência, irreverência e uma reputação verdadeiramente invejável. Fiel ao seu espírito obstinado e ligeiramente impertinente, Mattie não perde tempo a assaltar Cogburn com uma proposta irrecusável. E ao fim de dois dias, mesmo não gostando muito do facto de partir para a aventura com uma cachopa de catorze anos às costas, o Marshal de espírito rebelde lá aceita perseguir Chaney com a ajuda de um linguarudo ranger do Texas chamado LaBoeuf (um Matt Damon levemente ofuscado pelo brilho intenso dos seus co-protagonistas).
Este é o mote de partida para uma história de retribuição servida a frio e que, a espaços, nos consegue mesmo surpreender. “True Grit” não possui aquela aura de bizarrice e de negrume que já estamos habituados a encontrar em qualquer filme dos Coen. Tanto “Fargo” como “No Country For Old Men” (talvez as duas obras pelas quais esta genial dupla de realizadores mais ficou conhecida) são filmes bem mais pesados e difíceis de visionar. Numa só palavra, tanto “Fargo” como “No Country For Old Men” são dois filmes bem mais “alternativos” do que este “True Grit”. De facto, penso mesmo que “True Grit” é um dos filmes mais acessíveis e convencionais dos irmãos Coen (o que nem sempre significa algo de negativo). Este western está bem mais próximo dos padrões de storytelling a que a maior parte do público está habituado, sendo talvez uma das razões pelas quais chamou a atenção de tantos espectadores um pouco por todo o mundo. Mas apesar disso, “True Grit” está longe de ser uma obra previsível, possuindo valores de produção acima da média, um argumento com diálogos que nos prendem à cadeira (como é apanágio dos Coen), e interpretações que tanto nos fazem rir às gargalhadas como abrir a boca de puro e genuíno deslumbramento.


Acima de tudo, duas coisas saltam logo à vista de qualquer espectador. Por um lado, a recriação da época está absolutamente fenomenal, inserindo a audiência no velho faroeste americano com uma limpeza verdadeiramente admirável. Os responsáveis pela direcção artística e pelo guarda-roupa deste filme podem, desde já, começar a preparar o discurso para os Óscares, pois tenho a certeza de que estas são duas das categorias em que “True Grit” mais hipóteses tem de levar ouro para casa. Por outro lado, as interpretações dos actores (sobretudo do veterano Jeff Bridges e da novata Hailee Steinfeld) são algo de verdadeiramente excepcional, carregando praticamente com todo o filme às costas sem que o espectador caia em qualquer tipo de aborrecimento. Não há palavras para descrever a performance de Bridges. O seu Rooster Cogburn tem tanto de visceral como de gracioso, arrepiando-nos numa determinada cena e matando-nos a rir na cena seguinte. Se o actor californiano não tivesse já ganho o Óscar no ano passado (pela sua prestação em “Crazy Heart”), eu diria mesmo que ele era um dos claros favoritos deste ano. Quanto a Hailee Steinfeld, o melhor que se pode dizer é que a sua performance retira qualquer tipo de estranheza à sua nomeação para o Óscar de Melhor Actriz Secundária. Pelo menos neste papel, a sua garra é espantosa e a sua genica colossal, pelo que podemos estar perante uma das futuras estrelas do cinema mundial.
Resumindo e concluindo, “True Grit” não desaponta. Bem pelo contrário, surpreende. Há qualquer coisa que não o deixa ser um filme grandioso. Talvez seja o facto de abordar uma temática já tantas vezes retratada no cinema, em filmes muito semelhantes. Ainda assim, não deixa de ser uma obra a ver e rever, podendo mesmo constituir uma pequena surpresa na cerimónia dos Óscares do próximo Domingo.

Classificação – 4 Estrelas Em 5

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7 Comentários

  1. Um erro senhor Rui Madureira. Este filme nao e um remake do filme de 1969. É uma adaptação do livro True Grit de 1968. Totalmente independente do filme de 1969.

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  2. Sei bem que este "True Grit" parte da adaptação do romance de Charles Portis. Mas dado que já tinha havido um filme a adaptar esse mesmo romance (o tal de 1969), este novo "True Grit" não deixa de ser um remake. Aliás, durante as entrevistas com a imprensa, os actores e a equipa de produção fartaram-se de falar sobre o filme de 1969. O próprio Jeff Bridges afirmou que era uma honra interpretar um papel que já tinha pertencido a John Wayne. O que este "True Grit" pode não ser é uma cópia do filme de 1969, mas não deixa de ser um remake.

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  3. Eles terem falado do filme nao quer dizer que isto seja um remake. Mas pronto e discutivel. Mas ja que o seu argumento e que os realizadores dizem fique sabendo que o Jeff Bridges perguntou aos Cohen porque e que eles iam fazer um remake e eles responderam que nao era um remake mas uma adaptaçao do livro. Pode ver a noticia aqui http://cinema.sapo.pt/magazine/entrevista/indomavel-jeff-bridges-de-volta-a-infancia-e-ao-cowboy-a-serio-la-de-casa
    Mas pronto, isto nao tem qualquer importancia. Fique bem.

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  4. Anónimo, deve ter feito uma interpretação errada do que eu quis dizer com o "remake". Eu nunca disse que o filme de 1969 foi a inspiração dos Coen para este "True Grit". Nunca disse que os Coen pretendiam fazer uma cópia do filme com John Wayne. Esta versão de 2010 é uma nova versão, pelo que é totalmente independente do filme de 1969 (como disse e bem). Mas como é uma segunda abordagem à mesma história, não pode deixar de ser considerado um remake. Pois esse é o próprio conceito de remake: fazer de novo algo que já foi feito, ainda que de forma totalmente independente do original. Ou pelo menos é assim que eu interpreto esse conceito. Mas também tem toda a razão quando diz que isto não tem qualquer importância.
    Cumprimentos

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  5. Concordo com os principais pontos salientes na crítica ao filme! De facto, a fotografia de "True Grit" está fabulosa, assim como a direcção artistica, razões que sobrem para merecer os respectivos oscares. Penso inclusive que a grande vantagem do filme para a cerimónia será mesmo o facto de trazer para a ribalta um género de filme até agora "adormecido". Louvo a iniciativa, com votos de que esta seja de facto premiada.
    Quanto à discussão acerca do cariz do filme (adaptação do livro ou um remake do filme de 1969), acabo de ver imagens do filme de 1969 e, admitindo que os Coen tiveram como ponto de partida a obra literária, não me convenço muito que esse tenha sido o seu guia principal. Pelo contrário! Muitas partes desta recente versão do filme são semelhantes ao original de 1969. Muitas: Cenas, sobretudo. (consultem videos no IMDB) O que só me leva a concluir uma coisa: O filme de 1969 era já, aparentemente, bastante fiel ao romance de Charles Portis, portanto, pouco adiantaria ao Coen aborda-lo de maneira diferente, que não do ponto de vista do primeiro filme. Nesse sentido, torna-se admirável a iniciativa dos irmaos realizadores, ao recuperarem um Western já aclamado, trabalhando-o com todos os novos recursos que a Sétima Arte hoje possibilita, obtendo um produto final muito convincente e interessante.

    Parabéns pelo blog, continuem!!

    Cumprimentos

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  6. Não percebo porque razão dizem que é "admirável" a iniciativa de recuperar um Western já aclamado ... revi o filme de 1969, este não acrescenta nada ... estou triste com os Cohen que adoro!
    ana

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  7. Bom Ana, eu ainda nao tive oportunidade de ver o filme de 1969, no entanto, pelos videos que vi no IMDB, achei algumas diferenças assinaláveis. A Fotografia, por exemplo, está brilhante. A recriação dos cenários, as interpretações dos actores, etc,. Mas sobretudo aspectos técnicos. Achei uma jogada muito mais segura por parte dos Coen, trabalharem um Western já existente (se de facto tinham a intenção de trazer este tipo de filme de volta ao cinema), do que arriscar adaptar uma outra história ou mesmo criar o argumento para o filme, correndo o risco de fracassar, devido ao "adormecimento" dos Western's no panorama cinematográfico americano e mundial. É nesse sentido que achei uma boa iniciativa. Mas concordo contigo no que diz respeito ao argumento ou ao angulo de abordagem da história.

    Cumps.

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