De David Lynch
Com Bill Pullman, Patricia Arquette e Robert Loggia
Afirmar que "Lost Highway" é um mero thriller psicológico será redutor. Balizado em duas das suas temáticas predilectas - a Los Angeles surbanita e as manifestações cíclicas de quem vive uma forte perturbação - Lynch filma o sonho, o desconforto, a violência e o mal. O sombrio e a tensão acompanham o desenrolar da intriga, que, desdobrada numa súmula de percepções mais ou menos deformadas, vai revelando ao espectador um peculiar conjunto de contornos comportamentais.
Elogia-se a ambivalência factual, própria da esquizofrenia e indissociável de uma multiplicidade de identidades, relativamente às quais Renné ou Alice (Patricia Arquette) adquirem um papel de rastilho; aborda-se o duelo entre consciente e inconsciente, no qual o patológico Fred (Bill Pullman) nem sempre levará a melhor, complementado por uma cronologia que se apresenta assumidamente subvertida; filma-se, de uma forma única, o espaço arquitectónico e as suas idiossincrasias, com uma forte noção de escala, pontualmente revisitável em "Mulholland Drive"; questiona-se o limite do físico e do psicológico, num processo que encontra no “homem misterioso” (Robert Blake), o vértice de um divino e de uma moral.
Designado pelo próprio David Lynch enquanto “Film Noir do século XXI”, a "Lost Highway" correspondem estética e léxico próprios: dali emergem alguns dos sons primordiais de Rammstein, coabitando com Bowie, Nine Inch Nails ou Marylin Manson - protagonista de uma deliciosa aparição - constituindo-se uma banda sonora icónica. E ao desenrolar dos diversos planos correspondem cores específicas, ângulos e texturas muitíssimo maturadas, registadas com apreciável sensibilidade e grão.
A Bill Pullman assinala-se uma soberba interpretação – provavelmente a sua melhor prestação cinematográfica – acompanhada por um elenco de onde também sobressaem Robert Loggia, Balthazar Getty, Michael Massee e Gary Busey. A "Lost Highway" não se atribuiram prémios, nem se associaram lucros ou lotações esgotadas. Permanece, sim, o magnífico elogio ao âmbiguo, desde as primeiras linhas do argumento, resultante da colaboração de Lynch com Barry Gifford, até ao dúbio interior da moradia "7035-Hollis".
Afirmar que "Lost Highway" é um mero thriller psicológico será redutor. Balizado em duas das suas temáticas predilectas - a Los Angeles surbanita e as manifestações cíclicas de quem vive uma forte perturbação - Lynch filma o sonho, o desconforto, a violência e o mal. O sombrio e a tensão acompanham o desenrolar da intriga, que, desdobrada numa súmula de percepções mais ou menos deformadas, vai revelando ao espectador um peculiar conjunto de contornos comportamentais.
Elogia-se a ambivalência factual, própria da esquizofrenia e indissociável de uma multiplicidade de identidades, relativamente às quais Renné ou Alice (Patricia Arquette) adquirem um papel de rastilho; aborda-se o duelo entre consciente e inconsciente, no qual o patológico Fred (Bill Pullman) nem sempre levará a melhor, complementado por uma cronologia que se apresenta assumidamente subvertida; filma-se, de uma forma única, o espaço arquitectónico e as suas idiossincrasias, com uma forte noção de escala, pontualmente revisitável em "Mulholland Drive"; questiona-se o limite do físico e do psicológico, num processo que encontra no “homem misterioso” (Robert Blake), o vértice de um divino e de uma moral.
Designado pelo próprio David Lynch enquanto “Film Noir do século XXI”, a "Lost Highway" correspondem estética e léxico próprios: dali emergem alguns dos sons primordiais de Rammstein, coabitando com Bowie, Nine Inch Nails ou Marylin Manson - protagonista de uma deliciosa aparição - constituindo-se uma banda sonora icónica. E ao desenrolar dos diversos planos correspondem cores específicas, ângulos e texturas muitíssimo maturadas, registadas com apreciável sensibilidade e grão.
A Bill Pullman assinala-se uma soberba interpretação – provavelmente a sua melhor prestação cinematográfica – acompanhada por um elenco de onde também sobressaem Robert Loggia, Balthazar Getty, Michael Massee e Gary Busey. A "Lost Highway" não se atribuiram prémios, nem se associaram lucros ou lotações esgotadas. Permanece, sim, o magnífico elogio ao âmbiguo, desde as primeiras linhas do argumento, resultante da colaboração de Lynch com Barry Gifford, até ao dúbio interior da moradia "7035-Hollis".
2 Comentários
Antes de abordar cada uma das fases que constituem a Viagem do Herói segundo Vogler, convém primeiro elucidar a minha interpretação do filme Lost Higway. De acordo com a minha visão este filme é, no final de contas, uma versão moderna do mito de Fausto. Fred Madison é um homem com fortes problemas emocionais, assolado por um casamento frágil e uma incapacidade de satisfazer os seus desejos amorosos e sexuais bem como os da sua mulher. Esta frustração em conjunto com o desejo de encontrar o amor supremo, aquele que todos os seres procuram, levam a um pacto com o diabo, sendo este tipo de figuras que encarnam o mal recorrentes nos filmes de David Lynch (tomemos como exemplo o “Bob” em Twin Peaks). Essa figura demoníaca é aqui vista como o Mystery Man e, embora Fred recuse-se a admiti-lo ("I like to remember things the way I would like them to be, not how they were "), a verdade é que foi ele próprio que trouxe este homem para a sua vida (“You invited me. It is not my custom to go where I am not wanted.”). Neste pacto o herói procura acima de tudo, recuperar a sua masculinidade (“He gets more pussy than a toilet seat”), mas como sempre acontece nestas aventuras com o diabo as coisas não correm como o herói pretendia. Por um lado, para garantir a concretização dos seus desejos, é forçado a assassinar a sua mulher e depois, quando conseguido o seu sonho, e reencarnado no seu “eu ideal”, as coisas não correm como o pretendido. Neste novo mundo a sua mulher também lá se encontra (embora ela não seja real, apenas um ser conjurado pelo Mystery Man para atormentar o herói com a falsa promessa do amor). A sua presença de imediato perturba o herói (as constantes dores de cabeça) mas, possivelmente devido ao facto de terem sido casados numa vida anterior, sentem-se irremediavelmente atraídos. Iniciam então uma relação altamente sensual e perigosa que termina com o herói a aperceber-se da triste verdade: Ela nunca será sua (“You'll never have me” – o mito de Sysphe) e a promessa do amor-perfeito desvanece-se, condenando o herói a uma busca eterna por ela (o nome Lost Higway simboliza esta busca eterna, como uma estrada infinita que o levará a lado nenhum – um circulo que começa com “Dick Laurent is dead” – um frase que simboliza a aceitação do seu destino por parte do herói.
ResponderEliminarPor: Daniel Rosa
Fantástica esta sua interpretação! Mas então no momento que ele mata a mulher e vai para a cadeia ele apenas sonha com o "eu" ideal em forma de reencarnação, como se tivesse morrido?
ResponderEliminarOu de fato ele morre na cadeia e encarna no seu "eu" ideal? Abraço