Crítica - The Adventures of Tintin: The Secret of the Unicorn (2011)


Realizado por Steven Spielberg
Com Jamie Bell, Andy Serkis, Daniel Craig, Simon Pegg

Por alturas da estreia de “Raiders of the Lost Ark”, decorria o ano de 1981, alguns críticos franceses não hesitaram em comparar a mítica personagem de Indiana Jones com a não menos mítica personagem de Tintin. Tanto o arqueólogo do chapéu e da barba de dois dias como o jovem jornalista de poupa levantada criado por Hergé pareciam ter uma propensão quase fatalista para a grande aventura. Ambos partilhavam o mesmo código genético. De intenções nobres e coração intrépido, tanto o Dr. Jones como o destemido Tintin entregavam-se à aventura com a maior das facilidades, facilmente afundando-se em tramas que nunca os favoreciam mas que conseguiam despertar o que de melhor havia neles. É claro que o arqueólogo saído da mente de Steven Spielberg e George Lucas atingiu níveis de popularidade bem mais elevados por esse mundo fora, não fosse o cinema uma arte muito mais popular do que a banda-desenhada (já para não falar da maior facilidade com que uma personagem americana se torna universal, quando comparada com uma franco-belga). De qualquer forma, cada um à sua maneira, Indiana Jones e Tintin depressa reservaram o seu espaço merecido no seio da cultura popular. Mas a verdade é que este último nunca se conseguiu impor verdadeiramente no mercado norte-americano (ainda hoje muitos americanos desconhecem as aventuras de Tintin, razão pela qual este projecto cinematográfico sempre foi considerado um projecto de risco moderado) e até Steven Spielberg só passou a conhecê-lo quando tomou conhecimento das tais comparações com o “seu” Indiana Jones. Claro que a partir do momento em que tratou de se familiarizar com o jornalista mais famoso da banda-desenhada europeia, um mundo de novas oportunidades abriu-se na mente de Spielberg. Poder-se-á falar de amor à primeira vista. Com a chancela do próprio Hergé, Spielberg não perdeu nem mais um segundo a adquirir os direitos de adaptação cinematográfica de Tintin. E 30 anos passados, com a tecnologia por que Spielberg esperava finalmente disponível e a um nível aceitável, eis que “The Adventures of Tintin” aterra nos cinemas de todo o mundo para arrasar com tudo e todos.


The Secret of the Unicorn foi o livro escolhido para esta primeira adaptação cinematográfica. A narrativa apresenta-nos um Tintin (Jamie Bell) descontraído e bem-disposto, cuja vida começa a andar para trás no preciso momento em que adquire o modelo de um navio antigo baptizado com o nome de The Unicorn numa feira de antiguidades. Meros segundos após a compra, Ivanovich Sakharine (Daniel Craig) aborda o então desconhecido Tintin, prestando-se a comprar-lhe o navio pelo dobro do preço. Mas o rapaz recusa cordialmente a oferta e vira as costas ao homem de vestes excêntricas. O seu destino fica selado com tal decisão. Ainda no decorrer desse dia, o apartamento de Tintin é vandalizado por rufias que procuravam um pergaminho escondido no pequeno navio de madeira. Com a ajuda de Snowy (Milú, na versão portuguesa), Tintin acaba por encontrar o tal pergaminho por debaixo de um móvel, pergaminho esse que contém um poema enigmático e uma série de símbolos deveras invulgares. Perante isto, o jovem repórter depressa compreende que foi empurrado para uma trama perigosa e com muito que se lhe diga. Razão pela qual, incapaz de permanecer quieto no seu cantinho, decide começar a investigar o caso com o intuito de descobrir o que o The Unicorn tem de tão especial. Determinado em desvendar os segredos do navio e da história que este tem por detrás, Tintin embarca assim numa viagem pelos quatro cantos do mundo. Uma viagem cheia de perigos e muitas reviravoltas, que o levará a conhecer um capitão dos mares com sérios problemas de bebida chamado Haddock (Andy Serkis) e também a colaborar de bem perto com um par de inspectores que criam o caos por onde passam.


Foram já feitas muitas comparações com Indiana Jones ao longo dos anos, mas esta será talvez aquela que mais sentido faz. Isto porque se no papel Indy e Tintin já apresentavam semelhanças, na tela de cinema quase que parecem duas faces da mesma moeda. É inevitável. Vemos “The Adventures of Tintin” a desenrolar-se no grande ecrã e sentimos a alma de Indiana Jones por mais do que uma vez. O espírito enérgico e subtilmente cómico da aventura é exactamente o mesmo, sendo justo dizer que este Tintin de Steven Spielberg é uma espécie de Dr. Jones animado. Claro que o estilo de filmagem de Spielberg e a banda-sonora sempre envolvente de John Williams ajudam a estabelecer tais comparações e sensações de déjà-vu. Com outro realizador e outra equipa técnica atrás das câmaras, os pontos de contacto entre as duas personagens seriam assim tão óbvios? Provavelmente não. Mas o que é certo é que Spielberg e companhia potenciam as qualidades do mundo idealizado por Hergé ao máximo dos máximos, criando aqui um universo cinematográfico tão cativante quanto explosivo. “The Adventures of Tintin” ainda pode ter chegado a causar algumas dúvidas no que à sua qualidade e competência diz respeito. Mas depois de ver os resultados finais, é difícil imaginar alguém que saia desiludido ou cabisbaixo da sala de cinema. Só mesmo quem não for fã do universo Tintin ou quem estiver à espera de ver um filme de imagem real pode sair da sala com as expectativas defraudadas. Todos os outros decerto ficarão encantados com um crescendo narrativo tão bombástico e empolgante, e personagens tão genuínas e reais que nem parece que são animadas. E isto porque “The Adventures of Tintin” é o filme de grande aventura para toda a família que Spielberg tem tentado fazer desde “Indiana Jones and the Last Cruzade” e que “Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull” não conseguiu ser.


A técnica de performance capture utilizada neste filme (e já usada em obras como “Avatar”, “King Kong”, “A Christmas Carol” ou o pioneiro “The Lord of the Rings”) continua a deixar algo a desejar. Ainda estamos muito longe de poder dizer que esta técnica está pronta a substituir os filmes de imagem real, de tal forma que os actores de carne e osso mais conservadores podem desde já ficar descansados. Ainda assim, quando utilizada num contexto de fábula ou de aventura infantil, a performance capture começa já a mostrar-se minimamente competente e até mesmo prometedora. “A Christmas Carol” funcionou porque se tratava de um conto mágico sobre o Natal. Este “The Adventures of Tintin” também funciona porque se trata de uma homenagem à banda-desenhada de Hergé, sendo a única forma de os produtores se manterem cem por cento fiéis ao material original. Já em filmes como “Beowulf”, porque não têm este contexto de homenagem a material de outras áreas artísticas, a coisa não funciona tão bem. No filme aqui em questão, no entanto, a performance capture faz mesmo todo o sentido porque seria impossível obter um Tintin ou um Capitão Haddock tão fiéis à banda-desenhada (física e mesmo psicologicamente) se os produtores tivessem optado seguir o formato de imagem real. Spielberg e o produtor Peter Jackson saem portanto triunfantes deste projecto arriscado, apesar de ainda não sabermos como os americanos irão reagir às aventuras do repórter belga mais famoso do mundo (nos EUA o filme só estreará em Dezembro). Demonstrando toda a sua genialidade, Spielberg aproveita mesmo esta abordagem animada para criar sequências de acção verdadeiramente deliciosas. Sequências de acção sem cortes e detentoras de uma dinâmica extraordinária, que levariam meses e meses de planeamento numa filmagem de imagem real (para não dizer que seriam simplesmente impossíveis de filmar, pelo menos com os mesmos resultados tão deslumbrantes e espectaculares). Comprovando que ainda está aqui para as curvas, o velho mestre do cinema-espectáculo utiliza a performance capture para pôr em prática todo o potencial do seu génio criativo, escapando às fragilidades desta tecnologia para nos oferecer uma das obras mais dinâmicas, empolgantes e excitantes do ano. Um verdadeiro mimo para os fãs de Hergé; um compromisso obrigatório para os fãs da Sétima Arte.

Classificação – 4 Estrelas Em 5

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5 Comentários

  1. Fui hoje ver este filme fantástisco... Adorei!

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  2. Na minha opnião este merece 5 estrelas! Realmente fabuloso!

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  3. O que seria o cinema sem o Steven Spielberg!
    Filme fabuloso.

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  4. é a simples adptação de um dos epsódios do desenho animado. Quem já assistiu a esse epsódio vai se decepcionar com o filme. Como foi o meu caso.

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