Crítica - Cosmopolis (2012)

Realizado por David Cronenberg
Com Robert Pattinson, Sarah Gadon, Paul Giamatti

O referencial de Cosmopolis é-nos familiar. A adaptação cinematográfica à obra literária homónima, de 2003, encaixa-se numa Manhattan multifacetada, referência de uma cultura ocidental que tudo aparenta viabilizar. Comprova-o a opulência do especulador Eric Packer, jovem yupie desenraizado, embriagado por uma incalculável fortuna pessoal e acompanhado, em permanência, por uma logística para-militar mitigadora de um receio inflacionado.
Em Cosmopolis, o “valor dos valores” no mundo da alta finança constitui o primeiro alvo de Cronenberg e, a montante, de Don DeLillo. Subentendem-se, nesse sentido, as dimensões do dinheiro, da cultura e do tempo, cujos contornos se esbatem à luz da epidémica crise mundial. Contornos esses que Eric Packer (Robert Pattinson), personificador da alienada geração vigente, desvaloriza.


A economia, os mercados e a política não são ciências exactas, e a inabilidade da estrutura de consultores que assessoria Eric em dirimir um comportamento cambial anómalo, controlada a partir de uma limousine high-tech, confirmam-no. Não há regras ou deontologia subjacentes à iniciativa neoliberal onde Eric opera, que insiste em ignorar as provocações anarquistas, as únicas que se revestem de ideologia ao longo da narrativa.
A bitola de Ulysses, de James Joyce, é indissociável do dia de Eric: o tempo, opressor, desdobra-se em fracções de maior ou menor significado e carece, à semelhança do capital, de outra atenção; os sistemáticos flirts sobrepõem-se à encenação de um matrimónio formal, irremediavelmente fragmentado; a aparição frenética de personagens de profundidade e eficácia duvidosas é constante; o desejo de reviver a figura paterna é indutor de um comportamento errático; o instantâneo e o oportuno esmagam o maturado e o racional.


O teatralizado Cosmopolis constitui uma crítica aguda à actual anemia cultural e ao comportamento de mercados e divisas, viabilizando uma reflexão acerca do antagonismo de perspectivas que cúpulas e classe média desenvolvem em torno da crise global. O seu veículo é a derrota de um micro-cosmos autista, ferido de morte pelas suas fragilidades, às mãos da "moeda do povo": o Yuan, da República Popular da China. 
A discutível presença de Robert Pattison não ensombra Cosmopolis – o seu registo aproxima-se, com competência, do gélido "Bel Ami" – ainda que as maiores valias, num plano individual, se dividam entre Sarah Gadon (mulher de Eric) e Paul Giamatti (pernicioso ex-colaborador), vértices da realidade que o jovem milionário escolhe viver e, apenas no limite, questionar. 
A irrepreensível co-produção de Paulo Branco faz-se acompanhar de uma banda sonora cuidada, plena de modernidade, sem se divorciar dos acordes sombrios de um “Crash” (1996) ou de um “eXistenZ” (1999). Com mais de quarenta anos, o percurso de David Cronenberg continua activo e em progressão. À semelhança de “Eastern Promisses” (2007), “Naked Lunch” (1991), ou "Dead Ringers" (1988), por entre outras, Cosmopolis apresenta-se-nos enquanto obra singular, consonante com o trajecto sinuoso do seu autor e cristalizada por via da exploração exaustiva da sua codificação e léxico. Imprescindível, no seu tempo.


Classificação – 4,5 Estrelas Em 5

Enviar um comentário

7 Comentários

  1. Por obséquio? Afinal de contas: o "filme" é bom?

    Atenciosamente Marcelo

    ResponderEliminar
  2. Caro Marcelo, independentemente de se tratar de um "filme", ou não (há quem acuse David Cronenberg de se aproximar em demasia do teatro), considero-o bastante bom.
    JV

    ResponderEliminar
  3. É a primeira critica positiva que leio sobre este filme. A curiosidade é muita.

    ResponderEliminar
  4. Depois de ler algumas críticas sobre o filme, começo a questionar se não será melhor do que julguei quando o vi. Mas, francamente, foi dos filmes mais entendiantes que vi nos últimos tempos, mesmo com a teatralização que de vez em quando pode ser chocante. É difícil para o espectador manter-se atento e estamos a falar de um filme que ainda está a ser visto no cinema, o que lhes dá sempre mais alguma força! Acredito que ir vê-lo depois de ler as diversas críticas possa ser uma experiência mais rica mas, mesmo assim, deixa muito a desejar.

    ResponderEliminar
  5. Ver um filme que no final nao acrescenta nada..nem nos deixa a pensar sobre algo______________________perde toda a finalidade (isto se o que se pretende é um filme competente).
    Este preenche os requesitos, acho que nao perdi tempo a ve-lo________.

    ResponderEliminar
  6. Filme muito ruim! Sem pé nem cabeça. Diálogos chatos, intermináveis e cansativos. Deu até sono! O que valeu mesmo foi voltar a ver o lindo Rob Pattz nas telonas de novo... só por isso valeu o ingresso!

    ResponderEliminar
  7. Uma vista de olhos à minha critica em:

    http://www.cemiteriodoslivrosperdidos.blogspot.pt/

    ResponderEliminar

//]]>