Crítica - Django Unchained (2012)

Realizado por QuentinTarantino 
Com Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Kerry Washington 

Quentin Tarantino está, sem dúvida alguma, a passar pela fase mais inspirada da sua carreira. Depois de alguns anos marcados por uma menor produtividade e por obras que não atingiam o consenso crítico e comercial, em 2009 o controverso realizador fez as delícias do grande público com o arrojado e surpreendente “Inglourious Basterds”. E agora brinda-nos com mais uma pérola que decerto ficará para a História da 7ª Arte e que não deixará ninguém indiferente. Após as declarações do não menos controverso Spike Lee (que se mostrou contra o filme por considerar que este desrespeitava a memória dos seus antepassados), muitas vozes enraivecidas apuparam Tarantino sob o pretexto de que ele teria ido longe demais ao transformar a escravatura num espetáculo de entretenimento despudorado. Mas digam os influenciáveis detratores o que disserem, “Django Unchained” é um dos filmes mais espantosos e viscerais dos últimos anos, levando o espectador numa viagem que abrange todos os tipos de emoções e sensações. Até porque, bem vistas as coisas, “Django Unchained” não é muito diferente de “Inglourious Basterds”. Este último era um conto de fadas sobre a vingança do povo judeu nos tempos da segunda grande guerra e esta nova obra é um conto sobre a retaliação dos escravos de tez negra por alturas da guerra civil norte-americana. E se “Inglourious Basterds” foi considerado um dos melhores filmes de Tarantino (talvez até a sua obra-prima), por que carga de água não haveria “Django Unchained” de receber um tratamento similar? Se há coisa que Tarantino faz nesta obra é homenagear a força de espírito do povo afro-americano e retratar o povo sulista caucasiano como uns pategos incultos e abrutalhados. Portanto, esqueçam as palavras infelizes de Spike Lee e deem uma oportunidade a um filme que tão cedo não sairá do vosso pensamento. 

   

No seu papel mais respeitável desde “The Soloist”, Jamie Foxx interpreta a descontraída e musculosa personagem que dá título ao filme: Django Freeman, um escravo considerado problemático que se vê afastado à força da sua esposa Broomhilda (Kerry Washington). A caminho do seu novo destino após ter sido vendido a um novo dono, Django vê-se intercetado pelo Dr. King Schultz (soberbo Christoph Waltz), que o liberta das amarras e lhe confere a liberdade. Schultz trava então uma relação de amizade com Django, deixando-se comover pelo relato dos seus infortúnios e comprometendo-se desde logo a ajudá-lo a encontrar a esposa perdida. Após uma série de tiroteios e episódios caricatos, ambos descobrem finalmente que Broomhilda se encontra na opulenta propriedade de Calvin Candie (não menos soberbo Leonardo DiCaprio), um esclavagista sem escrúpulos que se entretém a ganhar dinheiro com combates até à morte entre escravos e que possui uma alma mais sombria do que se possa imaginar. Django e Schultz viajam então até à Candieland (a propriedade de Candie), com o intuito de libertarem Broomhilda do controlo do pérfido fazendeiro. Mas serão bem-sucedidos na sua perigosa missão? 


“Django Unchained” é um espetáculo visual e narrativo que nos prende por completo e nos deixa num estado de êxtase verdadeiramente fenomenal. É difícil dizer se é melhor ou pior que “Inglourious Basterds” ou até mesmo “Pulp Fiction”, até porque não é um filme perfeito. Consegue detetar-se uma ou outra inconsistência narrativa e alguns dos atos dos protagonistas (especialmente de Django) não abonam a favor do realismo, nem da sensatez cinematográfica. Porém, quem conhece o cinema de Tarantino não levará a mal estas pequenas falhas, até porque são elas que tornam a filmografia de Tarantino tão única e especial. Uma coisa é certa: Tarantino respira cultura pop por todos os poros. E isso sobressai (e de que maneira!) nas suas obras, seja sob a forma de golpes de génio que não lembram a ninguém, seja sob a forma de ideias arrojadas que somente resultam nas suas mãos. “Django Unchained” tem um pouco de tudo: comédia, ação, drama, suspense, até um pouco de terror para os mais impressionáveis. E isso faz dele um filme extraordinariamente bem conseguido, que insere o espectador na trama com admirável facilidade e que o leva a entrar numa viagem cinematográfica diferente de todas as que possa ter vivido até então. Tudo é brilhante nesta obra. As sequências de ação são de cortar a respiração, as tiradas cómicas resultam na perfeição e o design de produção é verdadeiramente avassalador.

   

Mas, como em todos os filmes de Tarantino, a cereja no topo do bolo é mesmo o argumento e a interpretação dos atores. Fica mais uma vez comprovado que Tarantino é um dos melhores argumentistas de todos os tempos, engendrando diálogos e longos monólogos que nos deixam literalmente sem palavras. E graças a uma direção de atores de fazer inveja a muitos que por aí andam, todo o elenco brilha como um cometa no espaço estelar. Curiosamente, o grande protagonista é o que apresenta menor veracidade. Jamie Foxx esforça-se e empresta a Django todo o carisma de que ele necessitava para funcionar, mas fica a sensação de uma personagem incompleta ou algo forçada. Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio e Samuel L. Jackson são aqueles que mais ficam na retina, sendo eles que realmente fazem deste “Django Unchained” uma experiência cinematográfica imperdível. Waltz oferece-nos uma interpretação cheia de detalhes, DiCaprio rebenta com tudo e todos com uma performance deveras perturbadora, e Jackson causa grande impacto com poucos minutos em cena. É absolutamente incompreensível a razão pela qual DiCaprio e Jackson ficaram de fora da corrida aos Óscares, pois seriam certamente dois fortes candidatos à vitória final. Mas nem mesmo o completo desprezo da Academia fará com que as suas atuações caiam no esquecimento, pois são demasiado vibrantes para morrerem de forma tão gratuita. Graças a tudo isto e muito mais, “Django Unchained” é um dos filmes mais formidáveis dos últimos anos, embora não seja para todos os estômagos. Se é fã de Tarantino, o gozo e o espetáculo são garantidos. Se não é… pode acabar por não achar piada ao resultado final, mas pelo menos a experiência será sempre única e inolvidável. 

Classificação – 4,5 Estrelas em 5

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6 Comentários

  1. Para mim: 5 estrelas em 5! :)

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  2. Excelente crítica!

    Eu saí do cinema absolutamente fascinado com este "Django Unchained". Mais do que a performance dos actores, toda a arquitectura do filme está brilhante: os diálogos, os monólogos, a construção história, as tiradas cómicas, os planos de câmara "Tarantinoides", a banda-sonora, a fusão de géneros, etc.

    Não o acho superior a "Inglourious Basters", mas essa discussão pouco ou nada importa para mim, pois corroboro que é um filme imperdível para qualquer fã de Tarantino e um regresso em nada desapontante!!

    Cumprimentos,

    Rúben Serrano

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  3. Sem comentários ao filme, não tenho nem como explicar os meus sentimentos ao sair do cinema. Parabéns pela critica muito ousado, produzir uma critica sobre este filme, ainda não consegui digeri-lo tão bem para formar opiniões sobre o seu conteudo, apenas sei que cumpriu com o proposito do cinema, mexer com todos os nossos sentimentos.

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  4. Genial, arrojado, numa palavra perfeito. Só o Quentin para escrever um argumento como este. Depois de já ter produzido alguns dos melhores filmes da história, deixa-nos mais uma vez fascinados e incrédulos com a sua infindável qualidade tanto no argumento como na produção dos seus filmes! ps: Christoph Waltz mais uma vez com uma interpretação perfeita, digna do Oscar de melhor actor secundário sem qualquer duvida.

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  5. Infelizmente, só agora consegui ver este filme. Realmente o filme está muito bom. Tarantino consegue abordar problemas sérios com alguma graça à mistura. Os toques de Tarantino no filme são simplesmente fantásticos e, a meu ver, fazem a diferença pela positiva (Existem imagens e palavras que "ficam" na cabeça e acabam por caracterizar o filme - recordo a admiração com que as pessoas viam um preto em cima de um cavalo e recordo a maneira como foi capturado o primeiro tiro de Django a longa distância, entre muitos outros momentos). É pouco limitar este filme a admiradores de Tarantino. O filme é bom e ponto final, qualquer apreciador de 7ª arte ficará rendido à qualidade desta obra... Abraços e obrigado pela excelente crítica, subscrevo....

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