Crítica - The Big Short (2015)

 
Realizado por Adam McKay
Com Steve Carell, Christian Bale, Ryan Gosling

O sucesso de "The Wolf of Wall Street" (2013) parece ter ecoado junto de Adam McKay e Charles Randolph, os responsáveis máximos por esta espécie de cruzamento entre uma comédia e um  thriller financeiro que, embora não seja tão exuberante ou sexual como a alucinante e cómica obra de Martin Scorsese, joga também muito com o humor para nos transmitir de forma equilibrada e nada complicada as suas mensagens bem interessantes e sérias. Estas resumem-se às devastadoras consequências e às curiosas questões que derivam dos moralmente dúbios procedimentos que estiveram por detrás da complexa Crise Financeira de 2008 nos Estados Unidos que, posteriormente, alastrou-se para o Resto do Mundo. A maioria das pessoas não consegue compreender o que efetivamente desencadeou esta Crise Financeira nos Estados Unidos, mas "The Big Short" tenta explicá-la, passo a passo, de uma forma simples mas agradavelmente eficaz. Sendo que pelo meio também dá ao espectador umas pequenas noções sobre o complicado funcionamento do mercado financeiro. E para a explicar usa a história real de um pequeno grupo de pessoas muito espertas que, contra tudo e todos, conseguiram antever esta crise e aproveitaram-na para remar contra a maré e lucrar somas impressionantes com a incompetência e irresponsabilidade de Wall Street.
É claro que esta obra não apresenta aquele teor académico que a possa tornar num produto quase documental ou, pelo menos, equivalente a uma aula básica sobre o complexo funcionamento da economia e dos seus múltiplos sistemas. Mas ajuda e muito a elucidar o espectador, especialmente no que toca aos truques incorretos do mercado imobiliário ou bancário, mas acima de tudo ajuda-o a obter umas pequenas luzes sobre a dimensão da onda de capitalismo irresponsável que reinava e, de certa forma, ainda reina em Wall Street. E, quem sabe, talvez "The Big Short" ajude os seus espectadores a prepararem-se para a próxima, mais que provável, crise financeira provocada por Wall Street que, como bem se sabe, poderá afetar Portugal em grande escala.


O núcleo duro da narrativa de "The Big Short" é portanto bastante sério e adulto, mas o seu tom brincalhão torna-o numa obra direta e fácil de ver. Baseado no homónimo livro de Michael Lewis, a história de "The Big Short" expõe todas as falhas de Wall Street e toda a sua arrogância e incompetência ao mostrar como é que algumas pessoas conseguiram prever o que, afinal de contas, quase todos os grandes responsáveis pelo mercado tinham obrigação de saber mas ignoraram e, por isso, nada fizeram para evitar que milhões de pessoas perdessem tudo. Ao longo de aproximadamente duas horas, "The Big Short" promove um ataque cerrado e elucidativo ao funcionamento e bases de Wall Street. E fá-lo por intermédio de um intrigante retrato biográfico relativo a esse grupo de astutos especialistas financeiros que, apesar de o filme quase indicar o contrário, também merecem ser amplamente criticados. Isto porque, com a aparente nobre excepção de um deles, quase ninguém no seio deste grupo de pessoas tentou alertar o Governo Americano para o iminente colapso. À semelhança de Wall Street, também estes investidores aproveitaram-se da miséria alheia para lucrarem, mas claro está, o seu aproveitamento é muito menos criticável que o de Wall Street que, com a conivência do Governo, conseguiu enganar toda a gente, incluindo os próprios trabalhadores de Wall Street.
Já se fizeram inúmeros filmes sobre Crises Financeiras em Hollywood, mas nenhum é tão divertido como esta obra. O retrato que nos apresenta é em si muito competente e já de si interessante e tenso. Mas "The Big Short" nunca se perde nas complexidades do mundo que explora, nem cai no erro de apelar ao drama humano provocado pela Crise Financeira de 2008. Em vez disso aproveita a saga capitalista dos génios em causa, que no parágrafo anterior caracterizei como anti-heróis, para explicar o que é complicado de uma forma simples e engraçada. O seu teor mais espirituoso, relaxado e especial leva a que o seu complexo conteúdo se torne empolgante e agradável para qualquer espectador que, muito dificilmente, exprimirá sentimentos de tédio relativamente ao que vai sendo abordado.


Para além de apostar num conteúdo biográfico diferente que promove um clima eficaz que reforça o seu interesse natural, "The Big Short" tem o agradável dom de descomplicar o complicado. A forma como explora as falhas de Wall Street e expõe a sua corrupção e incompetência é genial. Sem ignorar a componente educativa e informativa, "The Big Short" pega na Crise Financeira de 2008 e explica-a sem qualquer carga dramática desnecessária pelo meio, aliás, pelo meio há mas é muito humor sagaz e impetuoso que valorizam o filme. Um perfeito exemplo desta dose surpreendente de humor inteligente e aguerrido são as sequências que explicam ao espectador de uma forma inesperada várias questões financeiras. Tais questões, que envolvem terminologias complicadas e um contexto puramente financeiro, aparecem explicadas de uma forma que devem mesmo ser vistas e mesuradas para se compreender a sua beleza. Só em jeito de contextualização quero apenas salientar que uma dessas sequências evolve a sex symbol Margot Robbie a explicar o que são Collateralized Debt Obligation enquanto toma um banho de espuma. Acho que já pintei uma boa imagem sobre a excentricidade cómica deste produto. A questão é que, apesar de excêntrico, "The Big Short" consegue também ser muito interessante e realista. As histórias que nos contam, seja a dos protagonistas, seja a do colapso financeiro, são sempre exploradas de uma forma arrojada e inteligente que não aborrecem o espectador, muito pelo contrário, puxam sempre pela sua atenção.
A direção de Adam McCkay é sublime, tal como a atuação coletiva do seu elenco estrelar. Os conhecidos Christian Bale, Ryan Gosling e Steve Carell têm todos uma performance sublime, nomeadamente Carrel que, na pele da personagem mais moral de todo o filme, consegue arrancar aquela que é, para mim, a principal performance do filme. As falhas óbvias de "The Big Short" contam-se com uma mão. Para além da já denunciada santificação excessiva dos protagonistas, pode-se dizer que este produto poderia também ser um pouco mais profundo na hora de encontrar os culpados da crise, já que Wall Street não foi o único demónio da história. É certo que, pelo meio, aponta o dedo a outras entidades, como  por exemplo ao sector imobiliário, mas neste ponto faltou porventura um pouco mais de tempo para expor com clareza e diversão à mistura o que falhou noutras áreas. Isto não invalida que "The Big Short" seja um filme divertido e muito detalhado e informativo. É um muito bom filme com um nível de entretenimento acima da média, onde quase nada falha numa equação inesperadamente agradável e expositiva!

Classificação - 4,5 Estrelas em 5

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2 Comentários

  1. Considero que o filme não santifica os protagonistas. Todos têm motivos egoístas, a excentricidade matemática de Bale, o oportunismo de Gosling, a necessidade de vingança de Carrell, a ambição dos dois jovens. Até que no fim o personagem de Brad Pitt (se calhar o único com consciência) explica que aquilo são milhões de empregos e casas perdidas. Essa é a força do filme, através do cinismo dos personagens, percebemos o quanto as vidas nada valem. Grande filme.

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