Entrevista a Bruno Gascon, Realizador e Guionista de Carga


No Dia Mundial do Cinema e nas vésperas da estreia nacional do filme "Carga" (Estreia a 8 de Novembro), o Portal Cinema teve o prazer de entrevista Bruno Gascon, o realizador deste ambicioso projeto que, sabe-se agora, terá também direito a uma distribuição nos Estados Unidos da América. Embora se explore ao longo da entrevista muitos aspetos pessoais da vida e carreira de Gascon, o grande foco desta entrevista é o seu trabalho em "Carga", sendo por isso uma boa oportunidade para qualquer possível espectador ficar a saber mais sobre este filme que, recorde-se, chegará a 8 de Novembro aos cinemas e conta com um elenco recheado de estrelas, como Michalina OlszanskaVitor Norte, Rita Blanco ou Sara Sampaio.


Portal Cinema (PC) – Antes de explorarmos um pouco o projeto “Carga” gostaria que nos falasse um pouco sobre o seu percurso profissional até hoje. Sempre ambicionou realizar? O que fez antes de começar a trabalhar neste ambicioso projeto? 

Bruno Gascon (BG) - Desde pequeno era viciado em ver filmes e sempre tive a curiosidade de perceber como tudo era feito. Depois de acabar o Secundário estava um pouco perdido e sem saber o que deveria estudar. Foi então que devido a uma tragédia familiar decidi arriscar no sonho que tinha e que era o de realizar filmes. Agarrei nas malas e fui para Amsterdão. Estudei lá Realização durante 3 anos na SAE AMSTERDÃO e aproveitei todas as oportunidades para poder aprender e trabalhar na área. Regressado a Portugal comecei por realizar programas e documentários maioritariamente para o grupo RTP, mas sempre com a certeza de que o que queria mesmo fazer era realizar filmes. Devido a essa vontade realizei as minhas duas curtas-metragens “Boy” e “Vazio” e depois delas decidi que estava na hora de arriscar e tentar fazer uma longa metragem. E foi assim que chegámos aqui. 

PC – Quais são as suas principais inspirações cinematográficas? E qual é o seu principal sonho/objetivo para a sua carreira no mundo cinematográfico? 

BG - É difícil indicar nomes que me inspirem, pois como sou viciado em ver filmes existem inúmeros realizadores que admiro e cujas obras me marcaram, ainda assim destaco Kubrick, Hitchcock, Tarantino, Scorsese e Fincher. Todos eles têm técnicas e formas de criar diferentes, cada um com a sua especificidade, mas que eu admiro bastante. O meu sonho é o de qualquer realizador, julgo eu, poder tornar realidade os guiões que escrevo, com os actores que quero e com a liberdade criativa que pude ter na Carga e, claro, que os filmes possam ver vistos por muita gente e de alguma forma possam tocar as pessoas e fazê-las parar e pensar sobre os temas que escolho abordar. De uma forma mais realista e mais terra a terra, quero simplesmente fazer mais e melhores filmes porque acredito na evolução e na aprendizagem. 

PC – Como já referiu, antes de “Carga” trabalhou como realizador em três curtas. Considera que estes projetos foram importantes para preparar ao mais alto nível a sua estreia na direção de uma longa metragem?  

BG - Essa experiência foi importantíssima porque permitiu-me explorar e tentar diversas técnicas diferentes tanto ao nível da escrita, como da realização. O que aprendi nas curtas-metragens ajudou-me imenso na realização da Carga se bem que uma longa metragem é um desafio enorme e completamente diferente. Isso permitiu-me crescer não só como realizador, mas também como ser humano. Sem dúvida foi das experiências em que mais aprendi e que mais me marcou. 

4 – Para além de realizar, também escreveu o argumento de “Carga”. Como é que nasceu este projeto na sua cabeça e como é que o conseguiu tornar numa realidade? 

BG - A escrita da Carga vem no seguimento da minha vontade em abordar temas que muitas vezes são tabu. Interessa-me a forma como o ser humano reage quando colocado em situações limite e a forma como as nossas escolhas individuais e em grupo influenciam todos os que nos rodeiam. Não consigo definir um momento em que a ideia surgiu, mas acho que já vinha comigo desde Amsterdão e em Portugal tornou-se mais forte porque tive contacto com várias histórias ligadas ao tema no decorrer do meu trabalho mais ligado à área documental. 
A história deste filme acaba por beber muito da realidade com que me fui deparando e que me ficou na cabeça. Passar da ideia ao filme foi muito mais complicado que aquilo que alguma vez eu poderia esperar. Eu e a Joana Domingues, a produtora, decidimos bater a muitas portas, ouvimos muitos nãos, muita gente sugeriu mudarmos por completo a história, diziam-nos para não tentarmos fazer um filme tão pesado, sugeriram-me esquecer o meu guião e fazer uma comédia, mas como sempre tivemos muito bem definido na cabeça o que queríamos fazer nunca desistimos e tivemos a sorte de encontrar pessoas que acreditaram que era possível e nos ajudaram a tornar o filme realidade. Sem todas essas pessoas e parceiros não teria sido mesmo possível.


 

PC – Tendo uma ligação tão próxima ao projeto, como o descreveria ao espectador e o que lhes pode diz para os convencer a irem vê-lo ao cinema agora em Novembro? 

BG - Podia falar do elenco, da história, da causa e do esforço enorme que foi colocar este filme de pé, mas não o vou fazer. Em vez disso peço às pessoas para verem o trailer, comprarem bilhete e darem uma oportunidade ao filme. Estamos numa época em que cada vez mais é importante olharmos uns para os outros e para dentro de nós, este filme é muito sobre isso e acho que se as pessoas forem ao cinema se vão identificar com aquelas personagens e perceber porque é que ao longo de toda a promoção temos usado tanto a frase “Podias ser tu.”. 

PC – Olhando para a premissa de “Carga” verificamos que o filme aposta numa trama dramática muito forte que explora questões bem reais, como o tráfico humano. Mas estamos perante um drama puro ou perante um híbrido de géneros? E acha que a mensagem moral que “Carga” pretende transmitir será bem captada pelo espectador? 

BG - É a primeira vez que me fazem esta pergunta, mas que de facto faz todo o sentido, pois o filme acaba por ser um híbrido de géneros que oscila entre o drama e alguns momentos de maior tensão por norma associados aos thrillers. Tanto eu como os actores queríamos que quem visse o filme sentisse verdade em cada uma das personagens, por isso, elas tal e qual como na vida real têm escolhas e zonas cinzentas, o que faz com que exista um  misto de emoções. 
Ou seja, o filme acaba por ser um híbrido de géneros porque retrata a vida real em todas suas camadas. Quanto à mensagem moral ser bem captada pelo espectador, mais do que uma moral quero que as pessoas durante o tempo do filme possam colocar-se nos sapatos daquelas personagens e tanto eu como os actores esperamos que o filme toque quem o vir, se de todas as pessoas que o virem tocar nem que seja uma é sinal de que o nosso trabalho não foi em vão. 

PC  – Fale-nos agora um pouco sobre o processo de seleção do elenco. Como é que o Bruno e a sua Equipa chegaram à composição final do elenco? O que é que, na sua opinião, a presença de Michalina Olszanska acrescentou ao filme e, de certa forma, até que ponto a presença de uma protagonista estrangeira foi importante para incutir realismo ao filme? 

BG - Quando escrevi o guião já imaginava quem seriam cada um dos actores à excepção da protagonista. Como este era a minha primeira longa metragem confesso que ao princípio não acreditava que conseguíssemos os nomes que eu tinha imaginado. Após falar com várias pessoas, toda a gente me dizia para tentar pois eram pessoas extremamente acessíveis. O resto acabou por ser o mais simples, porque todas elas aceitaram o papel de imediato, pois identificaram-se com a história e com a temática. Para mim foi um motivo de orgulho poder trabalhar com pessoas que sempre admirei e ter construído uma relação de confiança e amizade com elas.A Carga é muito fruto dessa relação que criámos entre nós. 
A Michalina surgiu porque a personagem da Viktoriya só faria sentido se fosse interpretada por alguém que não fosse de Portugal, somente assim conseguiria trabalhar aquele leque de emoções de alguém que está fora do seu país e não domina a língua. Descobri a Michalina através da primeira curta-metragem que ela fez. De imediato percebi que somente ela poderia ser a Viktoriya, nem imaginava que ela já tinha um currículo enorme em grandes produções. Falei directamente com ela e enviei-lhe o guião. Tal como todos os outros ela leu, identificou-se muito e não só aceitou como me lançou um desafio (que não posso revelar para não fazer spoiler).  Trabalhar com ela foi incrível, criamos uma grande amizade que se mantém e vai manter para o futuro (e sem dúvida nos meus próximos filmes). Na minha opinião ela é sem dúvida uma das mais incríveis actrizes da sua geração.

PC – Falando um pouco mais de questões técnicas, o que o levou a si e à sua equipa escolherem a Serra da Estrela e zonas próximas também de Serra para proceder às filmagens? Filmar “Carga” em Portugal esteve sempre em cima da mesa, ou ponderou-se a possibilidade de aproveitar o tema do filme para o gravar no estrangeiro, nomeadamente no Leste Europeu? 

BG - Tal e qual como na escolha dos actores, também os locais de filmagem estavam muito visíveis na minha mente quando estava a escrever. A Serra da Estrela e as zonas envolventes surgem porque queria que se sentisse a solidão e o isolamento, sendo também os espaços escolhidos quase uma materialização dos sentimentos das personagens ao longo do filme. 
Teria sido fantástico podermos filmar fora do país, mas a Carga foi pensada desde o início para ser filmada em Portugal e na zona Centro e ainda bem que o fizemos pois a nível internacional as paisagens escolhidas despertam imensa curiosidade, o que me deixa com ainda mais convicção de que Portugal é um sítio incrível para filmar.  

PC – Como descreve a sua visão artística para o filme? Acha que conseguiu passar para o Ecrã a imagem que criou na sua cabeça quando escreveu o argumento? Qual foi para si a parte mais complicada de todo o projeto e porque? 

BG - Eu queria que fosse humano e realista. Não queria exageros, nem exploração gratuita. Acho que a abordagem de um tema como este deve ser feita com sensibilidade, mas sem artifícios que de alguma forma desvalorizem a importância do tema.  A passagem do que escrevemos para o que filmamos acaba por ser sempre diferente, até porque enquanto o filme está apenas no papel é só meu e tem apenas as minhas ideias, depois torna-se um organismo vivo que evolui graças às pessoas que fazem parte dele, como os actores ou a equipa técnica e isso é bom porque torna-o mais global e mais complexo, portanto, não é igual ao que tinha na minha cabeça, mas não está muito longe e as diferenças que surgiram a meu ver só o tornaram mais rico. 
Quanto ao que foi mais complicado… Seria difícil colocar no papel o que foi mais difícil até porque cada fase tem a sua complexidade, mas para ser sincero: do ponto de vista de uma pessoa que apenas tinha feito curtas e de repente faz uma longa metragem com estas características posso dizer que é um trabalho imenso, constante e diário que começa no dia em que se escreve a primeira palavra do guião e que neste momento ainda não terminou apesar do filme já estar concluído. Mas vale a pena. 

PC – Quais são as suas esperanças e objetivos para o filme? E qual seria o seu grande sonho relativamente a este projeto? 

BG - Neste momento desejava mesmo que muitas pessoas o vissem, tanto em Portugal como nos territórios em que já está a ser vendido. Que o fizessem pelo filme, por mim, pelos actores, pela equipa técnica, pelos parceiros e por todas as pessoas que se juntaram à Carga ao longo de todo este processo. O meu maior sonho para este projecto é que os actores continuem a sentir-se orgulhosos do que fizemos, até porque a opinião deles é muito importante para mim e sinto uma responsabilidade imensa pelo voto de confiança que me deram. 

PC – E o que nos pode dizer sobre os seus projetos futuros? O seu futuro profissional passará por Portugal ou poderá haver uma aposta no estrangeiro? 

BG - Já tenho o guião do próximo filme fechado. Estamos neste momento em busca de financiamento. Já sei quem são os actores, alguns deles já conhecem o guião, já sei onde quero filmar e posso adiantar que é um filme muito desafiante que já tem interesse internacional ao nível da distribuição internacional, pois tal como a Carga é um filme que junta actores portugueses a actores internacionais.
Gostava muito de poder filmar no estrangeiro, mas vamos ver o que acontece no futuro. Acho que nunca devem desperdiçar oportunidades e no final de contas, tenho que ir atrás do meu sonho de fazer filmes. É para isso que eu trabalho todos os dias. É esse o meu grande objectivo de vida. 

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