Entrevista a Corinna Lawrenz, Curadora da Programação da KINO 2019 – Mostra de Cinema de Expressão Alemã no Porto

O Portal Cinema sentou-se à conversa com Corinna Lawrenz, curadora da programação da KINO 2019 – Mostra de Cinema de Expressão Alemã no Porto. Para além de falarmos da KINO no Porto e do que esta Mostra de Cinema de Expressão Alemã nos reserva falamos também, claro está, do Estado do Cinema Alemão e das tendências que se verificam actualmente na Indústria Cinematográfica Alemã, algo que bate com a conversa que já tínhamos tido com a emergente atriz alemã Friederike Becht (ENTREVISTA)

Portal Cinema (PC) – Pode-nos apresentar em breves palavras esta edição no Porto do KINO - Mostra de Cinema de Expressão Alemã? O que pode o público esperar?

Corinna Lawrenz (CL) - De uma forma muito concisa: cinco dias de bom cinema, 12 longas-metragens recentes, entre documentário e ficção, desde comédia até ao thriller. Nesta seleção, encontram-se filmes que se destacaram em festivais como a Berlinale (sublinho o filme de encerramento ICH WAR ZUHAUSE, ABER de Angela Schanelec que foi recentemente premiado com o Urso de Prata de Melhor Direção em Berlim) mas também seis primeiras e segundas obras de jovens realizadores. É o objetivo principal da KINO apresentar esta diversidade do cinema de língua alemã e criar a oportunidade de ver filmes que escapam por completo aos circuitos comerciais e, na maioria, também aos festivais. 
Apresentamos este ano a primeira edição independente da KINO no Porto, numa coprodução muito próxima com o Cineclube do Porto. Depois de oito anos em que a Mostra no Porto funcionava como extensão da KINO de Lisboa, foi-nos muito importante tornar a programação do Porto mais específica, mais próxima do público. E é um prazer muito grande que as Embaixadas da Áustria, da Suíça e do Luxemburgo, que em Lisboa já fazem parte da KINO há muitos anos, embarcaram connosco neste novo rumo da Mostra do Porto.


PC – Como curadora desta Mostra, que temas ou ideias quis transmitir com esta Programação?

CL - Numa mostra cujo principal objetivo é apresentar um panorama das produções recentes, muitas vezes são os próprios filmes que "ditam" os temas. Ou seja, é ao longo do processo de programação que se formam os fios condutores do programa, as ideias e questões centrais. Neste caso a questão da representação começou a relevar-se como uma das mais pertinentes. Está muito presente no filme da Angela Schanelec, numa reflexão sobre o papel do ator, sobre mentira e verdade, mas encontra-se também em filmes como GUTLAND do luxemburguês Govinda van Maele (quem sou, se vivo a vida de outra pessoa?), na reflexão autoirónica acerca da representação política (e não só) em SELBSTKRITIK EINES BÜRGERLICHEN HUNDES e na maneira como leituras das cartas de Paul Celan e Ingeborg Bachmann se transformam em palavras dos próprios atores, e outros mais. Por isso, espero que a ideia que se transmita seja a de um cinema crítico, refletido, mas também cómico, fantástico e ousado.


PC – Entre os vários filmes presentes na Mostra, quais são aqueles que mais releva e aqueles que mais poderão relacionar-se com os espectadores portugueses e porque?

CL - Parte dos filmes continua a corresponder à KINO Lisboa deste janeiro que o Carlos Nogueira e eu coprogramámos com um enorme gosto pelas pérolas que encontramos a caminho. Vakuum, de Christine Repond, foi só uma das nossas surpresas - um filme de uma jovem realizadora que aborda a vida de um casal recentemente reformado e em profunda crise, com a fantástica Barbara Auer no papel principal. 
Outros, como o filme de encerramento cuja estreia mundial foi em fevereiro, são mais recentes ou nunca foram exibidos no Porto, como o fantástico filme da Ruth Beckermann que é o mais "antigo" da programação mas que fez muito sentido ser integrado neste contexto. E é um prazer poder apresentar este filme no Porto pela primeira vez. Tenho a certeza que o relacionamento com estes filmes é sempre muito subjetivo: ninguém tem que ser especialista em literatura de Bachmann e Celan para poder sentir a força (por vezes destrutiva) das palavras das cartas que trocaram. 
E isto aplica-se a grande parte destes filmes. Por outro lado, se quisermos falar em causas, poderia-se dizer que ATLAS, de David Nawrath é um filme sobre um dos temas mais urgentes na cidade do Porto - a gentrificação. Mas não deixa de ser também um filme sobre uma relação entre pai e filho.


PC – Quais sãos as tendências cinematográficas que mais têm marcado o Cinema Alemão? E quais dessas tendências podemos ver na Programação desta Mostra?

CL - Numa perspectiva mais recente dois termos que vêm logo à mente são a dita Escola de Berlim e o German Mumblecore. Numa perspectiva mais global, é talvez o filme histórico que cunha de forma mais constante a imagem do cinema alemão fora de portas. Mas isto não engloba o olhar sobre a história e a sociedade próprio a um certo cinema austríaco e por aí fora. E esta categorização, por sua vez, exclui outras narrativas cinematográficas. Acho que estes termos e a questão de identificar tendências podem ser úteis e interessantes, mas também limitam perspectivas. Talvez haja uma certa tendência no cinema jovem de questionar o real, criando um lado fantástico nos filmes que reflete sobre a nossa relação com o próprio objeto cinematográfico. 
Mas há outros realizadores que exploram outros caminhos. Acho que o mais interessante é tentar mapear estes vários caminhos, resistindo à vontade de englobá-los em escolas. Acho que os três documentários deste programa são um bom exemplo disto: a distância (há quem diga frieza) do olhar própria dos documentários de Nikolaus Geyrhalter, o filme-ensaio muito pessoal baseado em material de arquivo de Andreas Goldstein, e as maneiras de encenação no espaço público de Rosa von Praunheim.

PC – Numa perspectiva mais cultural, como descreve o atual estado do Cinema Alemão?

CL - Poder-se-ia falar muito sobre essa questão - e fala-se muito sobre ela na própria Alemanha, discutindo também a influência dos canais de televisão etc. Resumindo bastante, depois da comédia leve como gênero dominante nos anos noventa, e depois duma nova vaga a partir de finais do século passado, continua a ser um momento interessante com realizadores muito estabelecidos, com estilos e conceitos cinematográficos próprios e com sucesso fora do país (em Portugal, recentemente, os filmes de Christian Petzold, Toni Erdmann de Maren Ade, Western de Valeska Grisebach, entre outros), e com jovens cineastas com coragem, vontade e novas abordagens. 

PC – O que podemos esperar de futuras Mostras Kino? E quais são os planos para esta tão nobre e valorosa iniciativa cultural, quer no Porto, quer em outras regiões do país?

CL - Pretendemos, sobretudo, continuar a partilhar o prazer de ver cinema destes quatro países, mostrar aquilo que nos surpreendeu a nós próprios, e aqueles filmes às quais ninguém consegue resistir. 


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