Crítica - House of Gucci (2021)

Crítica - House of Gucci (2021)

Realizado por Ridley Scott

Com Lady Gaga, Adam Driver, Jared Leto


2021 foi um ano produtivo para Ridley Scott. Embora o drama medieval "The Last Duel" tenha ficado aquém das expectativas comerciais (segundo Scott por culpa das prioridades das novas gerações), acabou por ser muito elogiado pela crítica. Mas as grandes esperanças de Scott para a época de prémios pareciam estar concentradas em "House of Gucci"/ "Casa Gucci", um polémico filme inspirado na história real do império da Gucci. Seja pela matéria prima altamente polémica, seja pelo elenco de luxo ou pela equipa técnica consagrada, é fácil de compreender o hype que se criou em seu redor e se perceba também o porque de ter sido considerada um dos candidatos precoces à época de prémios. Mas apesar das promessa feitas à volta de um filme completo, viciante e verdadeiramente polivalente, certo é que o resultado final deixou algo a desejar. 

Embora seja injusto comparar dois produtos completamente diferentes podemos argumentar que "The Last Duel" pode até ter sido um fracasso comercial (algo que "House of Gucci" dificilmente será), mas como obra cinematográfica apresenta muitos mais pontos positivos. É um exemplo perfeito da qualidade técnica de Scott e da sua incrível capacidade para contar uma história sem negligenciar o realismo, o detalhe e o contexto. O mesmo não pode ser dito deste seu mais recente esforço. É verdade que seria sempre um grande desafio condensar três décadas repletas de histórias de amor, traição, escândalo, decadência, vingança e até crime num filme de quase três horas, mas Scott aceitou o desafio e não foi particularmente bem sucedido nesta sua aposta. 


Família Gucci Furiosa Com House of Gucci de Ridley Scott. Saiba Porquê?


No papel, "House of Gucci" parecia ter um propósito claro: explorar de forma clara e concreta as personalidades e as sequências de eventos que levaram ao grande crime que abalou a Família Gucci e o Mundo. Mas tal propósito acabou por ser diluído por uma abordagem mais extensa do que o esperado relativamente aos jogos de poder e bastidores que envolveram todo o Clã Gucci. Pode-se argumentar que para contar a trágica história de Maurizio Gucci e Patrizia Reggiani tem que se contar também a história empresarial moderna dos Gucci e todos os seus meandros, no entanto, seria mesmo necessário? E a resposta parece ser negativa, como aliás o próprio filme vem comprovar....

Parece por demais evidente que Scott pretendia criar algo mais do que uma história de crime, sendo óbvio que o propósito final era explorar o retrato biográfico de uma família, daí o filme se chamar House of Gucci e não Patrizia Reggiani...Mas então porque não aplicar este conceito de forma clara e concreta? Só a equipa criativa por detrás desta mega produção o poderá explicar, mas a sua evidente crise de objetividade (e consequente identidade) foi-lhe fatal. É verdade que, num plano frívolo e abstracto, o sumo da história está bem presente na sua espinha dorsal, no entanto, torna-se difícil dissecar e separar o que é realidade e o que foi romantizado.

Quem for atrás da história real após ver "House of Gucci" perceberá que está repleto de lacunas e inexatidões. Muitas delas foram levantadas pelo próprio Clã Gucci que, como se esperava, não ficou nada contente com o resultado final. E quando detalhes tão importantes são descurados em prol da simplificação da trama, ou exagerados de forma a criar um maior impacto junto do publico, podemos questionar, então, como podemos descrever este filme? É claro que são poucas as obras inspiradas em histórias reais que são 100% fidedignas à realidade, já que há sempre a necessidade de ajustar a realidade à ficção....Mas as opções feitas neste caso em particular acabam por ser polémicas e, em muitas situações escusadas. Mas foram provocadas pelo desejo talvez exagerado de Scott em providenciar um contexto mais alargado do que seria justificável nesta questão. E, ao adensar trinta décadas de polémica em tão pouco tempo, claro que o resultado final só poderia evidenciar uma ausência de clarividência na hora de condensar o fio narrativo. A edição descoordenada também não ajudou é claro...

Em "All the Money in The World", por exemplo, Scott também foi atrás de uma grande história de uma grande família. Mas neste caso não foi a fundo nas polémicas da Família Getty, ou seja, não se perdeu em demasia em desvios dramáticos para explicar as muitas histórias paralelas da família. O que foi explorado como ponto central do principio ao fim da história foi sim o rapto de John Paul Getty III, surgindo pelo meio pequenas bicadas contextuais às excentricidades de Paul Getty e a sua relação com o seu filho. Se este critério objetivo tivesse sido aplicado a "House of Gucci" talvez estivéssemos perante um dos grandes filmes do ano....Mas tantos desvios e tanta sede de chegar a todos os pontos de polémica acabaram por originar um produto sem identidade e foco.....

Talvez o maior exemplo do desnorte  que se possa apontar a "House of Gucci" é o retrato que é feito de Paolo Gucci, interpretado por Jared Leto. Esta personagem, apesar de secundária, ilustra por completo a ausência de bom senso e clarividência que pautou partes do filme. O retrato que é feito desta personalidade é um retrato jocoso, caricaturado e incompreensivelmente risível que, segundo quem conhecia Paolo, não corresponde nada à realidade. A filha de Paolo, por exemplo, achou este retrato um insulto à memória do pai e consigo compreender perfeitamente a sua posição, já que sem conhecer Paolo Gucci devo confessar que também me senti incomodado. Havia mesmo necessidade de incluir este elemento tão secundário que pouca ou quase nenhuma influência teve na Família Gucci e, sobretudo, no desfecho mortal de Maurizio Gucci? Ou a sua inclusão foi justificada apenas pela necessidade de incluir um elemento mais cómico e leve? Este e outros exemplos de desvios e artimanhas narrativas incompreensíveis são a razão pela qual "House of Gucci" dificilmente ficará para a história como algo mais do que uma versão caricaturada da versão mais polémica da história dos Gucci. 


Classificação - 2 Estrelas em 5

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