Crítica - Boyhood (2014)

Realizado por Richard Linklater 
Com Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Ethan Hawke

É praticamente impossível e até injusto não começar esta pequena análise crítica a “Boyhood” sem reconhecer à partida a genialidade do seu conceito, porque embora produções deste género não sejam propriamente uma novidade, poucas são as longas metragens, de qualquer tipo cinematográfico, que se podem orgulhar de terem conseguido redefinir uma forma já tão vista de explorar uma história, porque foi precisamente isto que Richard Linklater conseguiu alcançar quando optou, pacientemente, por filmar um grande argumento ao longo de doze longos anos, acompanhando assim de perto e ao pormenor o envelhecimento real e o crescimento inerte do seu jovem protagonista, dando assim um novo sentido criativo e técnico aos filmes sobre a evolução e desenvolvimento individual. É graças a esta aposta criativa e arriscada que assistimos de perto e numa configuração genuinamente realista, próxima e familiar ao crescimento do jovem Mason (Ellar Coltrane), que desde os primórdios da sua infância até ao epicentro da sua adolescência, passa por uma série de eventos impactantes que acabam por influenciar a sua evolução emocional e mental como pessoa. 


A técnica por detrás de “Boyhood” é imponente. A paciência, dedicação e imaginação que reside na génese deste projeto é de louvar e, por isso mesmo, Linklater, o consagrado criador da espetacular trilogia romântica formada por “Before Sunrise”, “Before Sunset” e “Before Midnight”, merece ser elogiado e consagrado. O seu toque mágico e especial para criar filmes espetaculares já tinha sido evidenciado em projetos anteriores, mas “Boyhood” rebenta a escala. O nível de pormenor técnico deste projeto é fantástico A primeira coisa que se destaca é o impressionante nível de talento e dedicação que Linklater demostrou com o seu longo e pormenorizado trabalho de gravação ao longo de doze anos, trabalho esse que, no resultado final, aparece perfeitamente sequenciado e impressionantemente uniformizado apesar de entre as primeiras sequências e aquelas que terminam o filme tenha existido um interregno de doze anos que nem sequer se nota a nível técnico ou de coerência. É preciso uma grande habilidade e destreza para criar e montar um projeto desta dimensão e com todos os seus detalhes, como também é preciso ter muita vontade e dedicação para conseguir juntar todas as peças do puzzle que formam esta obra num grande resultado final que, de um ponto de vista técnico, é inquestionavelmente irrepreensível. O mérito pertence como é óbvio a Linklater, mas também à sua perfeccionista equipa de produção, que o ajudou a criar e montar este belo espetáculo cinematográfico, que até não tem uma grande sequência memorável ou visualmente impactante, mas que como um projeto integral e completo é um espetacular resultado de primor técnico que transpira qualidade e genialidade em toda a sua construção e desenvolvimento, desde a montagem equilibrada de todos os seus segmentos, até à forma mágica como são captados todos os grandes eventos decisivos da vida do protagonista. É portanto uma brilhante direção de Linklater, que para além de ter demonstrado a sua capacidade ao nível da direção cinematográfica, também teve uma positiva responsabilidade ao nível da organização de todo este projeto, notando-se em todo o filme o valor e força das várias opções que tomou e que ajudaram, todas elas à sua maneira, a aprimorar esta obra.   
O equilibrado elenco de “Boyhood” aparece como um desses proveitosos exemplos. O jovem Ellar Coltrane é o rosto de “Boyhood”, sendo a sua figura de proa e o expoente máximo da categoria independente e genuína desta produção, tendo sido uma grande escolha de mestre por parte de Linklater. A sua performance ao longo de doze longos anos é a mais natural e realista possível, porque mesmo não sendo um ator de profissão e com a devida formação profissional, apresenta uma interpretação natural e convincente em qualquer uma das fases de vida que vão aparecendo em cena. A chave para esta sua performance de qualidade está na naturalidade com que representa o papel de Mason, papel este que está inerentemente ligado ao seu próprio crescimento de vida, notando-se desde logo que Coltrane e Mason partilham uma ligação natural que raramente existe entre Ator e Personagem. Embora “Boyhood” não seja uma representação concreta da vida de Coltrane, já que na sua génese está uma história puramente fictícia, qualquer um consegue se aperceber que a vida do jovem ator está profundamente ligada a este projeto e à personagem que interpreta, sendo impossível desassociar um do outro, porque Coltrane formou-se como pessoa ao longo das gravações do filme e, por isso, depositou muita da sua própria personalidade em Mason que, assim, aparece-nos como uma personagem verdadeiramente pura e legítima em todos os quadrantes. Esta ligação emotiva e humana entre o jovem ator e a sua personagem é apenas mais uma impressionante característica deste projeto. O restante elenco também se exibe com grande qualidade, sendo de destacar numa parte mais secundária a performance igualmente genuína da igualmente jovem Lorelei Linklater, a filha do próprio Linklater, que interpreta com grande força e naturalidade o papel de Samantha, a irmã de Mason. Os dois atores mais experientes do elenco, Patricia Arquette  e Ethan Hawke, também estiveram presentes desde os primórdios desta produção e também têm duas performances de bom nível com uma preponderância fundamental no seio desta grande obra, isto apesar das suas respetivas interpretações não serem tão profundas, complexas e genuínas como as performances dos jovens Coltrane e Linklater que, apesar do seu inerte amadorismo, conseguem interpretar com mais realismo as suas respetivas personagens.


E apenas falta falar um pouco do argumento de “Boyhood”, uma das pedras nucleares de um filme praticamente perfeito, mas que denota todas as suas falhas importantes no seio deste aspeto narrativo. É verdade que “Boyhood” é um projeto inovador na forma como o seu argumento é explorado, mas a génese deste guião é bastante simples e não tem qualquer toque de magia capaz de o tornar num instrumento lendário que se recordará na perfeição dentro de algumas décadas. A composição da sua história até é bem simples e obedece a certos aspetos dignos de uma telenovela ou de filme mediano, ou seja, não foge à presença de alguns clichés e à típica magia clássica de Hollywood, não só porque a sua intriga apresenta muitos momentos dramaticamente exagerados que, em conjunto, relembram o espectador da vertente fictícia deste projeto tecnicamente realista, mas também porque, no seu conjunto, parece faltar a “Boyhood” alguma crueldade existencial da própria vida, sendo impossível passar ao lado do aparente final feliz (excepto para uma personagem) algo forçado e da facilidade com que alguns problemas familiares desaparecem tão rapidamente como apareceram da vida do protagonista sem deixar grandes sequelas. É certo que, no geral, a jornada pessoal de Mason, desde a sua infância até ao cúmulo da sua adolescência, apresenta um recheio dramático, humano e emocional bem profundo, realista e empolgante. Não se pode por isso retirar qualquer mérito às mensagens do filme e às suas impactantes conclusões, porque o retrato existencial do protagonista, apesar de apresentar algumas falhas, consegue passar para o público como uma imagem poderosa sobre a evolução da personalidade humana e sobre as particularidades do crescimento pessoal. Esta evolução pessoal de Mason é apoiada por várias pontes narrativas bem estruturadas por entre várias épocas que conferem um profundo contexto narrativo e humano a esta sua jornada de vida que, ao longo de mais de uma década, aparece recheada por vários eventos existenciais e familiares que ajudam a moldar o seu caracter e a pautar o seu crescimento. É claro que esta jornada pode nem sempre ser exemplar do ponto de vista narrativo, mas a sua génese sentimental e dramática apresenta um nível de qualidade e profundidade muito equilibrado e dentro dos parâmetros a que “Boyhood” se propõem, sendo genuinamente um retrato de valor de uma vida, por vezes exageradamente dramática, mas sempre explorada com uma aura de enorme dignidade cinematográfica.  

Classificação - 4 Estrelas em 5

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