Crítica - Mank (2020)


Realizado por David Fincher

Com Gary Oldman, Charles Dance, Amanda Seyfried


Era um dos filmes mais aguardados deste final de ano e cumpriu as expectativas. "Mank", o novo projeto do aclamado cineasta David Fincher, transporta-nos até à Era Dourada de Hollywood das décadas de 1930 e 1940, sendo reexaminada da perspectiva do mordaz e alcoólico argumentista Herman J. Mankiewicz, durante a sua corrida para acabar o argumento do clássico "Citizen Kane"/ "O Mundo a Seus Pés", realizado por Orson Welles. 

Desde "Gone Girl" que não tínhamos o prazer de assistir a uma longa metragem realizada por Fincher, mas claramente que este aclamado cineasta não perdeu o jeito e continua a surpreender-nos.  Embora "Mank" se insira num género que Fincher não é propriamente conhecido por abordar, certo é também que não é uma experiência nova. Em 2010, por exemplo, deslumbrou-nos com a cinebiografia "The Social Network" sobre o criador do Facebook. E, embora tenham abordagens narrativas distintas, conseguimos encontrar paralelismos entre essa obra de 2010 e esta obra da Netflix. O toque finchiano, por exemplo, é proeminente em ambas, mas em "Mank" acabamos por ser confrontados com um filme que arrisca mais, quer no plano técnico, quer no plano narrativo.


Crítica - Mank (2020)

E vamos começar pela parte técnica. Ao optar por apresentar um filme inteiramente a preto e branco, Fincher transporta-nos literalmente para o ambiente cinematográfico da Hollywood clássica. O preto e branco dá aquele toque de classicismo que uma obra como esta merecia. Fincher foi perspicaz em perceber que esta história renderia melhor a preto e branco do que a cores. E embora não tenha sido uma decisão fácil e comercialmente defensável, certo é que foi a mais acertada. Mas não é só neste pormenor que se observa o distinto talento de Fincher, já que há muitos outros detalhes deliciosos que elevam esta obra e que homenageiam o passado de Hollywood. Para além de ter um guarda roupa de excelência e um design de produção sublime que, mesmo perante o preto e branco, conseguem sobressair, "Mank" brilha também com uma banda sonora distinta de Trent Reznor e Atticus Ross (já colaboradores antigos de Fincher) e com próprios detalhes que o cineasta vai incluindo no filme, como por exemplo, quando dá um merecido destaque aos cortes da fita entre cenas, apesar de Fincher ter gravado em formato digital. 

Mas não é só a nível técnico que "Mank" surpreende. Há que dar, antes de mais, um pouco de contexto histórico sobre o mesmo. Inicialmente, Fincher tinha planeado gravar este filme entre 1998 e 2003. O argumento foi, aliás, escrito pelo seu pai, Jack Fincher, antes deste falecer em 2003. Foi sempre um projeto que Fincher foi adiando, já que queria que o mesmo fosse uma das suas obras mais perfeitas, até para homenagear a memória do seu pai. Esperou quase duas décadas para conseguir avançar com o mesmo e, para surpresa de muitos, não o fez em parceria com um dos estúdios clássicos de Hollywood, mas sim com a Netlifx. E de certa forma este facto também se apresenta como uma deliciosa metáfora e contraste entre a Era Dourada de Hollywood e a Nova Era Digital de Hollywood. 

O filme está portanto carregado de significado e simbolismo e, como o pai de Fincher e autor do argumento já não se encontra entre nós, coube ao cineasta ir adaptando e moldando o argumento às filmagens. O resultado é, claro, uma simbiose perfeita entre um argumento dotado de grande qualidade com a óbvia genialidade de Fincher que, aqui, mais que noutro qualquer projeto da sua carreira, incutiu aquele seu cunho pessoal à história e ao resultado final. 

É por isso que "Mank" se pode descrever como um dos projetos mais intimistas de Fincher. Não propriamente pelo retrato que faz da carreira de Herman J. Mankiewicz, mas pela forma como o faz. E sim, "Mank" não pode ser levado à letra como um retrato 100% histórico, já que muitas partes do filme são pura ficção, mas não há dúvida que consegue transmitir na perfeição os ideais daquela era e uma grande história de bastidores de Hollywood (com mais ou menos ficção à mistura). É neste pinto que é intimista, como também o é na forte ligação do cineasta com este projeto, sendo que tal ligação é evidente do início ao fim. É claramente um filme no qual Fincher depositou muito carinho. Não é por isso de estranhar que tenha contratado grandes artistas e criadores de Hollywood para o ajudarem a concretizar a sua visão, como os já mencionados músicos Trent Reznor e Atticus Ross, mas também o soberbo ator Gary Oldman.


Classificação - 4 Estrelas em 5

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