A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos anunciou a lista de pré-selecionados à categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Após uma seleção alargada com 94 candidatos do mesmo número de nações, a Academia reduziu a lista a quinze candidatos e nestes quinze não se encontra o filme português "Alma Viva" nem o drama brasileiro "Marte Um". Países históricos como Espanha ("Alcarràs") e Itália ("Nostalgia") já ficaram também de fora, apesar de ambos os seus candidatos terem recebido muitos elogios. Estas foram alias as grandes ausências de uma lista bastante rica que tem filmes de grande qualidade. Já tivemos a oportunidade de ver 9 dos 15 selecionados finais e hoje, em antevisão das nomeações finais que só ocorrerão em Janeiro de 2023, deixamos a nossa análise aos mesmos
Bardo, False Chronicle of a Handful of Truths | Bardo, Falsa Crónica de Umas Quantas Verdades (México)
Estreou a 17 de Novembro de 2022 em Portugal
Distinguido com um prémio internacional, Silverio, um famoso jornalista e documentarista mexicano residente em Los Angeles, sente a necessidade de regressar ao seu país, sem saber que esta simples viagem o colocará num limite existencial. As suas memórias e receios decidiram invadir o presente, inundando a rotina diária com um sentido de desconcerto e assombro. Com emoção e humor, Silverio lida com questões universais e íntimas: identidade, sucesso, mortalidade, a história do México e os laços familiares emotivos que partilha com a mulher e os filhos. Não será isto que significa ser humano nestes tempos peculiares?
Após "Birdman" e "The Revenant", Alejandro González Iñárritu regressa aos Óscares. Estes seus dois projetos brilharam ao mais alto nível e já é certo que "Bardo, False Chronicle of a Handful of Truths" não replicará o seu sucesso, mas este drama poderá ter uma palavra a dizer nesta categoria. Embora acredite que será difícil chegar à nomeação final e se la chegar será apenas e só pelo nome de Iñárritu. Este é o seu pior filme até à data, algo que pouco significado terá atendendo à qualidade dos seus projetos anteriores, mas infelizmente "Bardo, False Chronicle of a Handful of Truths" não vale por uma história competente e, apesar de alguns apontamentos de humor negro curiosos, no final ficamos com a sensação de ter assistido a um projeto que ficou àquem das expectativas.
All Quiet on the Western Front | A Oeste nada de Novo (Alemanha)
Entre todos os filmes desta lista, "All Quiet on the Western Front" é o menos revolucionário, até porque a sua história base já brilhou no cinema no passado. Baseado no livro icónico de Erich Maria Remarque, publicado em 1929, que já ganhou duas outras adaptações em 1930 e 1979, este filme segue o jovem soldado Paul, de 17 anos, que se junta à Frente Ocidental na Primeira Guerra Mundial. O seu entusiasmo inicial é abalado pela dura realidade da vida nas trincheiras e pela violência desmesurada do conflito.
Realizada e co-escrita por Edward Berger, "All Quiet on the Western Front" segue as pisadas das outras adaptações e promove mais um poderoso retrato da vida nas trincheiras durante a Primeira Guerra Mundial, algo que o ano passado "1917" conseguiu também fazer. O que nos mostra não é novo, mas é mais uma boa experiência cinematográfica sobre um dos grandes conflitos do Século XX.
"Argentina, 1985" é inspirado na história de Julio Strassera, Luis Moreno Ocampo e da sua jovem equipa de advogados que, em 1985, participaram no Julgamento das Juntas que sentou no banco dos réus os líderes da última ditadura civil-militar da Argentina (1976-1983), considerada a ditadura mais sangrenta da história deste país.
Esta obra, que se revela uma mistura entre drama político e drama jurídico, reflete sobre o verdadeiro significado dos conceitos de memória, verdade e justiça numa esperança que os erros do passado não se repitam. Numa altura em que a Argentina passa por um complicado momento económico, político e social, "Argentina, 1985" surge assim como uma lembrança dos erros do passado e das atrocidades que foram cometidas em nome da pátria, da estabilidade e até da paz....É um brilhante retrato que nos dá a conhecer um pouco melhor o (não tão distante) passado trágico de um país civilizado, masque sob o mote de ideais radicais caiu em erros que gerações passadas já tinham caído. É importante agora não repetir.
Corsage - Espírito Indomável ( Áustria) Estreou a 8 de Dezembro de 2022 em Portugal
A imperatriz Elizabeth da Áustria é idolatrada pela sua beleza e conhecida por inspirar tendências da moda. Em 1877, enquanto celebra o 40.º aniversário, Sissi, como era e ficou conhecida, passa por um período conturbado e começa a ter comportamentos estranhos. Estas ações levaram a que o seu papel nas decisões políticas tenha sido progressivamente reduzido, mas a fome por conhecimento e o gosto pela vida continuaram bem presentes na sua vida.
"Corsage - Espírito Indomável" é uma cinebiografia de uma das grandes figuras do passado monárquico da Áustria e, claro está, tal como outras cinebiografias de grandes monarcas, como Victoria e Elizabeth do Reino Unido, Catarina da Rússia ou Marie Antoinette de França, não se pode dizer que este seja um filme que seja 100% correto do ponto de vista histórico. Mas dá-nos um belo vislumbre da corte austríaca e da famosa monarca que, como seria de esperar, revela-se uma força da natureza no meio de um mundo dominado pelo sexo oposto.
Decisão de Partir | Decision to Leave (Coreia do Sul)
Estreou a 1 de Dezembro de 2022 em Portugal
Quando um homem cai do pico de uma montanha e morre, o detective responsável, Hae-joon, conhece Seo-rae, esposa do falecido. A morte do marido não parece perturbá-la. Face ao comportamento tão atípico de um familiar enlutado, a polícia considera-a suspeita. Hae-joon interroga Seo-rae e decide vigiá-la. À medida que a observa sente-se cada vez mais interessado nela.
È certo que "Decisão de Partir" é bastante longo (quase três horas), mas estamos perante um drama muito curioso que, um pouco à semelhança do japonês "Drive my Car" que venceu o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2022, pega na imperícia emocional e romântica tão característica do povo asiático para formar um curioso drama romântico. EMbora tenha alguns elementos criminais, "Decisão de Partir" é,no fundo, uma história de amor e obcessão que, como qualquer filme de Chan-wook, culmina com um final magistral e imprevisível.
EO (Polónia)
Distribuição Nitrato Filmes
Quem diria que um filme sobre um burro poderia ser tão bom...e tão emotivo. Jerzy Skolimowski é um cineasta conhecido do público português, aliás em 2015 o seu "11 Minutos" ganhou o grande prémio do LEFFEST. E será um prazer voltar a receber em 2023 nas salas de cinemas (e em muitos cineclubes) o seu novo filme, "EO", que passou também pelo Festival de Cannes.
Quem dá o nome a este projeto é um burrinho muito adorável. Todos sabemos que o mundo é um lugar misterioso, mas ainda se torna ainda mais misterioso quando é visto através dos olhos de um animal. É precisamente através dos olhos de Eo que partimos numa viagem inesperadamente emotiva e curiosa por um mundo por vezes frio, por vezes ternurento. Na sua jornada, Eo encontra pessoas boas e más, experimenta alegria e tristeza, e a roda da fortuna transforma a sua sorte em desastre e o seu desespero numa felicidade inesperada. Mas nunca, em momento algum, Eo perde a sua inocência.
Se Eo não fosse um burro díria que tínhamos aqui um candidato ao Óscar de Melhor Ator. É claro que não é Eo que brilha com a sua interpretação, apesar de ter todo o ar de ser uma criatura inteligente e com clara percepção daquilo que o rodeia, por isso há que dar todo o mérito pela sua grande interpretação à brilhante captação de Skolimowski- É através de múltiplos planos de excelência e por via de uma coerência técnica irrepreensível que este cineasta nos consegue contar uma história incrível pelo carácter e peças ações de um adorável protagonista que nunca fala. Sem grandes diálogos, mas com muitas imagens que falam por si, "Eo" leva-nos numa viagem diferenciada que no final poderá deixar muitos em lágrimas.
Para quem aprecia filmes sobre investigações jornalistas, thrillers criminais ou drama poderosos, então "Holy Spider" cumpre todos os requisitos....nos três géneros. É, sem dúvida, uma das grandes pérolas do ano. Para nós é, sem dúvida, um dos filmes mais diferenciadores e únicos desta seleção de candidatos ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2023.
The Quiet Girl (Irlanda) Sem Data de Estreia em Portugal
Sucesso comercial na Irlanda e vencedor do Grande Prémio do Júri Internacional da Geração Kplus no Festival de Berlim 2022, "The Quiet Girl" é um hino à representação e o exemplo perfeito de como uma narrativa simples consegue dar origem a um filme de excelência. Esta é a história de Cáit, uma menina de nove anos que tem uma família enorme, carente e disfuncional. Com a aproximação do Verão e do parto da sua mãe, Cáit é enviada para a casa de parentes distantes apenas com a roupa do corpo. Inicialmente, Cáit estranha a nova família, mas rapidamente vai formando profundos laços com a sua nova família e nem um macabro segredo demove a sua afeição pelos seus novos pais adotivos, mas esta felicidade parece ter um prazo.
A jovem Catherine Clinch é uma verdadeira revelação. A sua performance é brilhante e é precisamente a sua interpretação doce e inocente da adorável Cáit que transporta este drama para uma outra dimensão. Também os intérpretes dos seus pais adotivos cumprem e ajudam a elevar a força dramática de uma narrativa simples é certo, mas que em última análise é extremamente tocante.
É um filme sobre ligações emocionais e uma prova de que nem sempre as ligações biológicas superam as ligações afetivas. É certo que pelo meio da abordagem da relação entre Cáit e os seus novos pais adotivos existe uma trama secundária que, no final, apenas serve para reforçar ainda mais o vínculo entre uma inocente menina e um casal que só queria ter alguém para amar e para cuidar, talvez também numa tentativa de compensar a grande mágoa do passado. A reta final é bastante emotiva e a cena final parte o coração a qualquer um, mostrando na perfeição a natureza crua e dura da emoção e do amor. Cáit merecia um final feliz, mas o próprio final deixa antever que haverá sempre alguém a zelar e a lutar por ela.
Saint Omer (França)
Estreia em Portugal a 23 de Março de 2023
Alice Diop é uma das grandes promessas do cinema francês, sendo até já uma certeza. Esta talentosa cineasta tem um dom para contar poderosas histórias de cariz social e "Saint Omer" não foge à regra. No filme seguimos Rama, uma romancista na casa dos trinta anos que assiste ao julgamento de Laurence Coly no tribunal de Saint-Omer. É acusada de ter morto a filha de quinze meses ao abandoná-la numa praia no norte de França quando a maré estava a subir. Rama gostaria de escrever uma adaptação contemporânea do antigo mito de Medeia a partir desta história, mas nada corre conforme planeado. No final, é a sua própria relação com a maternidade que o julgamento à porta fechada questiona...
É um forte filme dramático que explora a miséria humana e, novamente, as gritantes discrepâncias sociais em França, tema bastante recorrente nos grandes dramas franceses dos últimos anos. Embora tenha um certo toque de romantismo literário, "Saint Omer" é em última análise um forte drama humano que vale pela abordagem que promove do desespero e da inocência social.
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